sábado, maio 07, 2005

poema de amor futuro




Olhas-me no fundo dos olhos
e o teu olhar é herege.
Viola o que se proíbe de tocar
ama com raivoso desespero engolido
o que não se alcança a conhecer,
o que não se ensinou a amar,
por dentro em ti não te teres perdido.

Sem braço que a leve
sem corpo que arraste,
a minha mão se estica em espasmos
ansiando o teu colo de abafo.
Morta de avisos e de silêncios,
enchente de vozes alheias,
contorço-me no teu olhar elevado,
sem me mexer em mim,
no respirar largado ao sufoco.

Assim deitados no mundo
a um passo e mil e uma distâncias
sinto o teu cheiro na língua,
o teu amor iminente na ponta dos dedos
de uns pés ansiando a inexistência.

Tu comes-me os cabelos que não vês.
Eu estico-te a pele que não tens,
em silêncio humano absoluto
que imerge abruptamente no meio
dos nossos gritos de prisioneiros.

O hoje não tem espaço
nem tem tempo,
no tempo e no espaço
que foram ontem.

Que se agarrem os beijos,
que se trinquem as mãos,
que se consumam os olhos,
que se enrolem os cabelos,
como se nascesse o mar.
Que se apertem pulmões,
que se encalhem as vozes,
que se ofusquem as palavras de mundo,
em corações que só fazem por bater,
transpondo o infinito, onde se fez o amor.

Ficaremos estendidos na relva
esgotado o universo
a água o fôlego
a pele o sangue
a luz e os olhos
onde só havia desejo a esvaziar.

Tu me findaste,
eu te engoli.
Tu pairas,
eu flutuo,
no nada a haver em nada absoluto.

Que o futuro nunca chegue,
que o presente não se passe,
esmorecendo em passado eterno
empurrando eternamente o infinito.

Que me fures com olhar,
que te puxe sem o braço,
até onde o tudo se fizer vento
sobre a pele arrepiada.
Que o nosso amor não se faça
para que seja eterno.