segunda-feira, fevereiro 20, 2006




Era uma tarde linda. A tarde mais linda que eu já vi. A tarde mais linda que eu não vi porque estava trancada em mim. O pôr-do-sol que me levava às lágrimas. Por só ter reparado nele quando tudo o resto me abandonava. Os barcos, a linha do comboio, os desenhos de nuvens, na única sinfonia maior que a vida.
E tudo se apagava lentamente. Como sempre. Mas como nunca me tinha ocorrido. Não voava. E não estava presa a nada. Balançava na eterna e fugaz indefinição antes de qualquer coisa. Do voo da gaivota, do partir do comboio. Balançava no abrir de asas e no apito da máquina.
Quando perdia a tarde sem retorno é que reparei como era bonita. Como ela era a minha vida inteira. Como tinha nela os instantes que mudavam tudo. Mas como nada mudara, podia deduzir que a minha vida acabara, nos instantes inúteis.
Mas se a tarde se continuava a acabar à minha frente, e se a minha vida acabou
, já não sou eu. É preciso que nasça de novo para buscar outras tardes que não acabem.