domingo, abril 10, 2005

Monólogo Dialogado Sobre A Morte Ou O Fim Da Vida


– Morte…
– Uma palavra tão estranha com um significado tão estranho… Quem a terá inventado? Essa enfiada de sopros e estalidos de língua…
– O que o Homem não sabe explicar, dá-lhe um nome!...
– E sim… porque não? Quem terá inventado então a própria morte, esse “termo da existência” como lhe chama o dicionário?
– Foi Deus?
– Não… esse está demasiado ocupado e escondido no buraco mais fundo e negro do Universo…
– Havia um grego…
– … o Epicuro, …
– Que dizia que ela é perfeitamente dispensável, uma vez que “quando existimos ela ainda não existe e quando ela existe nós já não existimos”.
– Que se foda o grego, deviam era ter-lhe dado um tiro nos cornos!...
– Mas não… não é a morte algo que vive connosco? Qual o limite desse “ainda” e desse “já”? Não é a morte uma certeza humana? (A única?)
– Como uma partícula no sangue, estranha, …
– Vinda de onde?
– … que nos vai invadindo as entranhas, devagar… devagarinho… a cada batida do coração, até, lentamente, nos chegar ao cérebro…
– À mente humana…
– E buuuum!... Explode-se tudo!
– Se calhar sai pelo nariz…
– Coisa nojenta!
– Não, pelo nariz não, pelos olhos! Sim, pelos olhos, e os miolos ensanguentados desfazem-se para sempre… o que estava lá dentro mistura-se com a chuva e com o vento… ninguém mais lhe poderá chegar…
– E dps?
– Que se lixe o depois, o antes é que é a aberração, o sofrimento, o desejo… o desejo de não desejar nunca mais, nunca, seja lá que merda for!
– A medicina define a morte não causada por motivos biológicos como uma “morte violenta”… mas… será? Será assim fruto da brutalidade?
– Não pode ser como um banho quentinho? A minha mamã antes metia-me numa banheirinha grande e rosada… Nunca mais… Não me lembro da última vez que me deu banho…
– Coisa nojenta!
– Primeiro fecham-se os olhos…
– As entranhas dissolvem-se aos poucos, em água da chuva e escorrem sem dor… faz-se silêncio…
– Sim, não se ouve mesmo nada… nem vozes de lado nenhum, nem nada…
– Um silêncio como no meio dos espaços entre as estrelas, um silêncio sem almas, vindo do vácuo… está escuro…
– Quem é que apagou as luzes?
– Foi Deus?
– Talvez no buraco mais fundo e negro do Universo não tenha nada para fazer…
– É uma chatice não ter nada para fazer, não ter com quem brincar… eu uma vez…
– Não ter amigos é uma solidão completa, a escuridão completa, a morte completa…
– Não ter quem nos coleccione as lágrimas por nós…
– Antes que nos dissolvam os miolos…
– Coisa nojenta!
– Que se esqueçam as utopias! Na Vida o Homem nunca terá paz, nem sozinho…
– Quietinho, sem se portar mal… a mãe disse…
– …nem entalado em amigos.
– Quais amiguinhos? Gentinha asquerosa é o que há à minha volta mas já lhes dou utilidade… BUUUUUM!...
– Já todos tentámos, desde que deixámos de ser macacos.
– Toda a infinitude de formiguinhas…
– Já procuraram o sossego da alma onde podiam procurar, não restam dúvidas… Há os persistentes, escavam a Terra toda, derrubam tudo, erguem escadas que arranham, rasgam, furam o céu, mas nunca a encontrarão…
– Nem uma única formiguinha…
– Porque a paz é a morte…
– Mas porquê? Quem me garante? Deve haver alguma coisa que se possa fazer, um elixir, uma geringonça, …
– …uma bomba!
– Onde está Deus quando precisamos dele?
– Num buraco, fundo e negro…
– O metal do revólver do meu pai e a faca da cozinha reflectem tão bem a luz das estrelas! Tão pequeninas… Como as formigas do quintal…
– As estrelas também morrem… É a coisa mais triste do Universo… incham que nem balões rubros e depois ficam pequeninas, pequeninas, insignificantes…
– E depois, … e depois…
– Há grupos de golfinhos que se suicidam em conjunto… Nadam até uma praia, sem razão aparente, encalham e ficam ali, à mercê do sol, a desidratar aos bocados.
– O universo talvez um dia também morra… Sim, se ousar tocar no infinito… Nesse infinito…
– Quero rebentar com isto tudo! Com vocês todos! Comigo mesmo!
– Destruir a humanidade para que ela não se destrua a si própria…
– Um favor à Humanidade…
– O suicídio não é uma conquista humana… é biológico…
– Podia ser como num sonho… Um sonho… Eu abria as asas e voava… voava… até onde?
– Até quando?
– A Vida…
– Até quando a Morte?
– Muitas vezes quando conseguem devolver os golfinhos ao mar, eles dão meia volta e regressam à praia…
– À morte…
– Sempre ela, negra e bela como uma manhã sem sol…
– Uma deusa pronta para se entregar a mim, seu senhor!
– Nunca mais teria de me esconder, mo vazio onde só eu existo!...
– Ou tenha deixado de existir…
– Voar, voar, voar…
– Além das estrelas.

2 Indiscrições:

Anonymous Anónimo cuspiu...

Maravilhoso. De uma criatividade a toda a prova!

Sabes o que te digo ao comentário que colocaste na "Bailarina"? TEM JUÍZO! Tomara muito boa pessoa que por aí anda a publicar ter metade da tua inventividade. E quantos "escritores" conheço eu que nada escrevem? Hummm dois, três talvez...

Okey, mas adiante... estás em grande mulher! Será que este texto foi feito a pensar no palco?

abril 11, 2005 8:05 da tarde  
Blogger M cuspiu...

vaaah eu nca tive mto juízo...

d kk maneira acertaste ;P foi inspirado numa improvizaçao o ano passado numa cena d suicidio..as personagens e respectivas caracteristicas n sao invençao minha,apesar do texto em si ser meu.e agora?quem adivinha k personagem eh a minha?dps pescaram-se umas frases pra cena final

mas jah agora dou crédito à melhor frase d todas dessa maldita peça, dita d maneira extraordinaria plo meu amigo Quintas nessa cena e da autoria da minha amiga Paula: "Estou à beira de um profundo e asqueroso poço, donde vozes ferozes me dizem: morre, inútil, morre!"

abril 12, 2005 6:22 da tarde  

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