terça-feira, março 08, 2005

O Quarto

Por momentos pensei que me esmagava. Os meus pés fincaram-se no chão como se nunca tivessem sido de outro lugar. Interromperam o meu vaguear monótono e despreocupado com um baque surdo que só eu ouvi. Deixou de soar o eco dos meus passos pelos corredores largos e claros, mas o meu coração inchava a ponto de me sufocar de sangue. Gotas geladas escorregavam pelos meus dedos e entre os olhos. Eu devia ter nascido ali. Ouvia os guinchos da minha mãe morta mas não lhes liguei nenhuma. Estava especada e apaixonada. Até as luzes se apagarem eu não ia a lado nenhum. Não tinha absolutamente mais nada para fazer que fizesse o mínimo sentido. Nada que importasse. Nada que eu quisesse. Os meus olhos eram o centro do mundo e reflectiam o mundo em que rodavam. As linhas das paredes inclinavam-se devagarinho e apertavam-me. Estava presa. Comecei a chorar. Por causa dos azuis. Eram como o mar que eu trazia no meu peito. Eram azuis. E sangravam. E das rugosidades evaporava solidão e tristeza e mágoa. E os verdes abriam um buraco para o infinito em que eu me podia encher. E no esforço de trepar pela encosta do absoluto, fiquei cansada. Deixei-me desmaiar por entre os lençóis esbranquiçados e a minha colcha vermelha. Tive sede. Bebi água. Estava suja de suor. Lavei-me. Senti o cheiro a lavanda da toalha onde entranhei o rosto e abandonei o resto das lágrimas. E voltei a aconchegar-me na cama alta. Estava dentro de mim, e continuava erecta em frente ao espelho. Que me reflectia em luz a alma. Os meus olhos rodavam sobre a essência dos homens. O inalcançável. Inspirei o que pude, fiz o esforço derradeiro de fechar os olhos e os meus passos voltaram a provocar eco pelos largos, altos e claros corredores frios.

Arles, 1888/1889
Huile sur toile

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